Nascido em Cuzco, no Peru, Constantino Aucca Chutas entendeu in loco a realidade das comunidades tradicionais andinas, quando cursava Biologia em sua terra natal, há quase três décadas.
Para vários dos países sul-americanos, a cadeia montanhosa que está entre as mais altas do mundo tem vários significados. Além do caráter sagrado, os Andes contêm espécies endêmicas que desempenham um papel fundamental na regulação do ciclo das águas – incluindo o da região amazônica.
Por isso, o desmatamento desenfreado do bioma e o aquecimento global, que está fazendo com que a cobertura de neve das montanhas seja cada vez menor, são grandes ameaças para a América Latina e o mundo. “A conservação tornou-se uma necessidade”, disse Aucca Chutas recentemente, durante uma entrevista. Seu chamado para defender a natureza se fortaleceu por insistência de seus avós, agricultores indígenas quíchuas. “Eles me disseram: ‘Seu nome é Aucca, significa guerreiro. Por favor, tente fazer algo por nós, agricultores’.” E, desde então, o biólogo peruano nunca mais parou.
Na virada do século, os arredores de Cuzco estavam sendo dominados por grandes fazendas e por cadeias de exploração que retiravam a madeira da natureza de forma ilegal. Em 2000, Aucca Chutas fundou a Associação de Ecossistemas Andinos (Ecoan, da sigla em espanhol). Até hoje a organização plantou 4,5 milhões de árvores nativas, mobilizou mais de 60 comunidades e criou 16 áreas protegidas na região peruana da Cordilheira Vilcanota. Em 2014, a Ecoan realizou um evento especial no qual foram plantadas 57 mil árvores em um único dia – e a iniciativa foi tão bem-sucedida que se transformou em um festival anual de plantação de árvores, conhecido como Queuña Raymi.
“A atividade humana parecia ser o grande causador de tudo aquilo. Então, por que não trabalhar com as pessoas para que elas sejam parte da solução, e não do problema? É por isso que hoje temos parceria com agentes locais e comunidades originárias”, afirma Aucca Chutas, que foi um dos laureados do Prêmio Rolex de Empreendedorismo em 2023. A premiação faz parte da Iniciativa Perpetual Planet da marca e reconhece o trabalho de indivíduos que têm a determinação de enfrentar grandes desafios com espírito empreendedor, visando construir um mundo melhor. “Com a ajuda da família Rolex, vamos continuar inspirando mais pessoas a despertar a paixão pela conservação”, afirma ele.
No caso dos Andes, as comunidades tradicionais são testemunhas de um processo que parece levar a um caminho angustiante. Além da falta de neve e da escassez hídrica, espécies animais símbolos da região, como o condor-dos-andes, o gato-andino e o urso-de-óculos, estão cada vez mais raras. É por isso que o projeto iniciado por Aucca Chutas, mas hoje tocado por milhares de pessoas, passou a ser fundamental. O grande objetivo do grupo é fazer reviver as florestas de Polylepis, que chegam a crescer em geografias acima de 5 mil metros do nível do mar e, portanto, são chamadas de “floresta das nuvens”. Lá no alto, as árvores andinas absorvem água da própria neblina e a descarregam por meio dos musgos que vivem em associação nos troncos da espécie. Dessa forma, torna-se mais possível proporcionar um habitat saudável para a vida selvagem por ali.
A ideia deu tão certo que os esforços se multiplicaram além das fronteiras do Peru. Em 2018, Aucca Chutas resolveu criar a Acción Andina, uma organização internacional que leva projetos de reflorestamento comunitário para toda a extensão da Cordilheira dos Andes. Atualmente, a Acción Andina tem programas ativos no Equador, no Chile, na Bolívia, na Argentina e no Peru, além de planos de expansão na Colômbia e Venezuela, onde um milhão de hectares serão reflorestados. “Acreditamos que, ao restaurar as florestas das montanhas, vamos assegurar a água e as paisagens, além de proteger o meio ambiente e a cultura. Estamos levando benefícios e esperança para mais de 35 mil famílias que habitam os Andes”, comentou ele.
Na visão do biólogo, o espírito de união inca está fazendo a diferença pela terceira vez. No passado, a cultura inca fez os povos de distintas localidades se juntarem para formar um grande império. Depois, uma nova aproximação acabou sendo determinante para o enfrentamento da colonização espanhola. E, agora, todos se reúnem mais uma vez para proteger a natureza, tendo como símbolo central uma árvore, a Polylepis.
Fotos: Rolex/Sofia Lopez Mañan