Um mergulho na megafauna do Rio Juruá, no interior da floresta tropical brasileira, com o objetivo de viabilizar maneiras de conectar a preservação ambiental com a melhora da qualidade de vida das populações ribeirinhas. Com apoio da Expedição Perpetual Planet à Amazônia da Rolex e da National Geographic, os cientistas João Campos-Silva e Andressa Scabin estão conduzindo um estudo sobre os habitats e padrões de migração de grandes vertebrados aquáticos, como o pirarucu, o jacaré-açu, as ariranhas, tartarugas-gigantes da Amazônia, botos cor-de-rosa e peixes-boi.
O Juruá é um dos maiores afluentes do Rio Amazonas, com mais de 2 mil quilômetros de extensão, e possui um papel essencial na vida, cultura e no sustento para milhares de pessoas. As organizações populares que vêm atuando ao longo do Juruá são decisivas na recuperação e conservação de espécies silvestres importantes. Ao revelar soluções para a proteção da floresta, o extenso rio tem se tornado um exemplo.
Uma das iniciativas, coordenada pela Associação dos produtores Rurais de Carauari (ASPROC), livrou o pirarucu da extinção e ainda fez com que a população desse peixe amazônico crescesse 600%. A exuberância da espécie se transformou em negócio. Com peixe em abundância, os pescadores passaram a praticar a pesca sustentável na região e vendê-lo a um preço justo. “Chamamos o pirarucu de ‘peixe da mudança’ porque ele vem provocando uma grande transformação social no Rio Juruá”, explica Campos-Silva.
O estudo do pirarucu é tão desafiante quanto o dos peixes-boi, por ambos serem sabidamente esquivos. “É o animal mais difícil de capturar. Eu trabalho na Amazônia há cerca de 14 anos e nunca vi um peixe-boi”, confessa Scabin. No entanto, ao juntar esforços com o povo local, incluindo um ex-caçador de peixes-boi que se tornou conservacionista, a dupla chegou mais perto do que nunca desses e de outros animais. Eles se tornaram, por exemplo, as primeiras pessoas a colocar um GPS em um pirarucu e conseguiram dados valiosos sobre os hábitos do peixe.
Segundo os cientistas, todo o monitoramento feito em parceria com o olhar aguçado dos ribeirinhos é fundamental para se conseguir desenhar um panorama sobre a saúde do Juruá. “Todos esses animais são cruciais para os ecossistemas aquáticos. Alguns deles são os predadores, o topo da cadeia trófica, como o jacaré-açu, a ariranha e o boto. Em seguida, há os animais que são importantes para o ciclo de nutrientes, como o peixe-boi. Também temos tartarugas-gigantes e pirarucus que têm grande importância cultural e econômica para as comunidades da região”, explica Scabin, acrescentando que os animais aquáticos estão entre os mais ameaçados na Amazônia.
Campos-Silva, Laureado do Prêmio Rolex de Empreendedorismo 2019, e as organizações comunitárias do Rio Juruá planejam criar um modelo escalável que possa ser ampliado e implementado em toda a bacia do Rio Amazonas. “Conservação deve ser um modo de viver, onde pessoas conseguem melhorar sua qualidade de vida e proteger o meio ambiente ao mesmo tempo”, diz ele.
O Rio Juruá é um modelo inspirador para a Amazônia. A gestão exemplar do território iniciada pela Reserva Extrativista do Médio Juruá e da Reserva de desenvolvimento Sustentável do Uacari, motivou a transformação social de todo o território. Hoje diversas organizações de base como a ASPROC, AMARU, AMECSARA, ASMAMJ e AMAB lideram as iniciativas de conservação com o apoio de diversos parceiros.
Eles fazem questão de enfatizar que as pessoas são a parte mais importante da solução. Campos-Silva afirma: “É uma parceria muito igualitária entre ciência e conhecimento tradicional. Acreditamos que um futuro sustentável e justo para a Amazônia só será viável se as populações locais forem protagonistas desses modelos”.
Fotos: National Geographic Society/André Dib