Os impactos humanos sobre o meio ambiente marinho são tão grandes que, muitas vezes, apenas interrompê-los pode significar um grande passo para que espécies ameaçadas se sintam seguras e voltem a frequentar algum pedaço do litoral que elas haviam abandonado. Esse é um enredo que, por exemplo, está em curso no Camboja.
O país do Sudeste Asiático não está livre das interferências destruidoras que a chamada pesca de arrasto industrial protagoniza. Como o próprio nome diz, esse é um tipo de atividade em que barcos potentes arrastam suas redes pelo leito marinho trazendo consigo tudo o que estiver pela frente. Não é difícil imaginar o impacto que isso gera para o ecossistema em si e para toda a vida marinha que nele vive.
Cientes disso, conservacionistas espalhados pelo mundo estão sempre buscando formas de virar o jogo. E com esse intuito, a Marine Conservation Cambodia (MCC) foi fundada em 2008, no arquipélago de Kep. Além de começar a lutar contra a pesca industrial predatória na região, um dos maiores avanços da organização nos esforços para reverter a situação de terra arrasada ocorreu a partir de 2016, com a instalação de recifes artificiais pelo local.
O arquipélago formado por 12 ilhas recebeu as estruturas com dois objetivos principais: fornecer uma superfície para corais e esponjas se fixarem e proteger todo o local contra a pesca de arrasto, normalmente feita onde o fundo é mais aberto. Em suma, a ideia era deixar a natureza respirar, para que o ciclo dela voltasse a fluir normalmente
O êxito do processo ao longo do tempo recebeu o reconhecimento da Mission Blue, projeto apoiado pela Iniciativa Perpetual Planet da Rolex. O arquipélago de Kep, portanto, passou a fazer parte da rede mundial de Hope Spots, “locais de esperança” cientificamente identificados como críticos para a saúde do oceano e defendidos por conservacionistas locais que recebem do projeto apoio científico e de sensibilização sobre as causas pelas quais advogam.
“Depois de sete anos deixando o oceano respirar um pouco, o ecossistema começou a se recuperar”, comenta Rachana Thap, diretora executiva da MCC e defensora do Hope Spot do arquipélago de Kep. “A MCC começou com o coração e o amor pelos oceanos”, explica a ambientalista, que ingressou na instituição como estagiária quando ainda era estudante universitária.
Na linha do tempo da MCC, outra vitória importante ocorreu em 2018, quando o governo cambojano transformou o ambiente marinho ao redor de Kep em uma área de proteção especial, proibindo a pesca industrial em mais de 11 mil hectares que englobam os recifes artificiais, manguezais e as pradarias submersas de plantas marinhas. Essas vastas pastagens subaquáticas liberam oxigênio e são verdadeiras reservas de carbono, capazes de absorver mais dióxido de carbono da atmosfera do que qualquer floresta terrestre.
Em 2022, o aparecimento de uma fêmea de dugongo com um filhote na região foi a prova mais cabal de que o programa estava no caminho certo. Os dugongos (primos distantes dos peixes-boi, que são normalmente maiores) são um dos maiores herbívoros do mundo e muito sensíveis a áreas marinhas impactadas pela ação humana. Os prados de ervas marinhas do Camboja estão entre os maiores que restam no Sudeste da Ásia e constituem um habitat vital para muitas espécies ameaçadas. O adorável dugongo depende deles para se alimentar. A visita da espécie em Kep passou a ser mais frequente nos últimos anos.
Além disso, o monitoramento acústico nos recifes artificiais também revelou que grandes grupos de golfinhos se alimentam naquele domínio protegido durante a noite. Outros indicadores são a presença de tartarugas-verdes, tartarugas-de-pente, tubarões-baleia, ostras-gigantes e dos cavalos-marinhos no ecossistema.
Tanguy Freneat, gerente da MCC na ilha, também ficou surpreso com a velocidade da transformação: “Presumi que a natureza levaria séculos para se recuperar. Testemunhar isso com os meus próprios olhos me enche de esperança para um futuro melhor para o oceano e para o planeta”.
O círculo virtuoso desencadeado no Camboja engloba outro elo bastante relevante da região: as populações locais. Isso porque os peixes, antes mais escassos, também estão de volta. E, com isso, os moradores do entorno da reserva voltaram a praticar a pesca sustentável, porque o rendimento da atividade, no fim do dia, voltou a valer a pena. “A emoção que esse fenômeno traz é visível nas pessoas, é realmente inspirador”, revela Freneat.
O passo mais importante, de fato, é trazer as comunidades locais para o mesmo barco e mostrar a elas todos os benefícios da preservação. Esse é um item fundamental em todas as atividades da MCC no Camboja. Além de receberem a oportunidade de uma fonte de renda alternativa, como a criação de ostras, por exemplo, as comunidades pesqueiras contribuem compartilhando sabedoria. “Essas são as pessoas mais indicadas para proteger o oceano cambojano porque são profundas conhecedoras desse habitat”, explica Freneat.
Fotos: Rolex/Tom Cannon