Entrevista com Márcio Holland
“Formalização é um dos pontos-chave para o setor”
Márcio Holland, da FGV, explica caminhos para oxigenar o segmento de bares e restaurantes
Inovar, em todos os sentidos, desde a gestão até a forma como a comida chegará no prato para o cliente. Além disso, jogar mais junto com os fornecedores e ter alíquotas tributárias adequadas para o funcionamento do setor. Todos esses caminhos são importantes, segundo o estudo Bares e Restaurantes no Brasil, Diagnósticos e Iniciativas. A seguir, Márcio Holland, economista e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), um dos coordenadores da pesquisa, fala sobre os principais dados e conclusões do trabalho.
O que o estudo revela sobre o setor de bares e restaurantes?
Com o estudo finalizado, fica evidente uma faceta diferente do setor, dentro do contexto social e econômico, que nem sempre é vista. Quando não analisamos profundamente os bares e restaurantes, é comum associá-los apenas ao lazer. No entanto, é um setor que desempenha uma função social vital atrelada à chamada alimentação fora do lar. Estamos falando também de uma atividade que abrange o consumo por trabalhadores que saem de casa para a fábrica, o escritório ou qualquer outro local de trabalho. É uma indústria essencial no ecossistema social urbano, atendendo a população urbanizada e suas necessidades alimentares.
Até por isso, estamos falando de algo relevante para as famílias, em termos de despesas, então?
Um terço das despesas das famílias com alimentação vem do segmento que analisamos, o que demonstra mais uma vez sua relevância. Além disso, por ser um setor com baixa barreira de entrada, ele é uma porta aberta para o empreendedorismo brasileiro. São mais de 1,3 milhão de CNPJs, na maioria microempresas familiares que, muitas vezes, sustentam a educação e formação dos filhos com a renda gerada pelos seus pontos de serviço. Estamos falando de um sistema com alta importância social. O setor emprega diretamente quase 5 milhões de trabalhadores, entre formais e informais. O setor é muito confundido com o comércio, mas, de fato, ele é um tipo de serviço. O que temos que enfrentar é a questão de como aumentar a formalização desse setor.
Como o estudo mostra que a questão da sobrevivência financeira do setor é um gargalo a ser resolvido?
Os dados mostram que 40% do setor está atrasado nos pagamentos de tributos. Isso, obviamente, impacta no cadastro da empresa. Isso afeta, portanto, a captação de recursos, tomada de crédito, entrar em uma linha qualquer de recurso público, no BNDES ou em um banco público. É um círculo vicioso.
As inovações, em curso no setor, são importantes para reverter esse quadro?
Sim, com certeza isso é algo importante quando falamos de serviços. Inovações em cardápios, empratamentos e experiências de consumo são cruciais para atrair e fidelizar clientes. Isso exige treinamento, tanto na cozinha quanto nos serviços e na gestão administrativa. A capacitação também ajuda a profissionalizar o setor e a superar seus desafios estruturais. Temos até uma figura no estudo que exemplifica como o setor não é homogêneo em termos de modelo de negócios. Existe o self-service, o a la carte, o bar de entretenimento, o casual, o empório. As dark kitchens. Cada um desses tipos tem uma dinâmica específica de demanda, de oferta. Em geral, tem até uma estrutura de cozinha particular.
Quando não analisamos profundamente os bares e restaurantes, é comum associá-los apenas ao lazer. No entanto, é um setor que desempenha uma função social vital atrelada à chamada alimentação fora do lar.
Márcio Holland, da FGV
A pesquisa também discute o papel dos fornecedores na alavancagem do setor?
Desde os anos 1990, a indústria de alimentos e bebidas ajudou a consolidar o setor, mas agora precisamos repensar essas parcerias. Modelos que melhorem o ciclo de capital de giro, como prazos de pagamento ajustados às vendas, podem aliviar o estresse financeiro dos pequenos negócios.
Além desse ponto com os fornecedores, quais os outros que merecem atenção para o aperfeiçoamento do setor?
Algumas outras medidas também são fundamentais. Primeiro, um regime tributário específico, como já ocorre na União Europeia. A recente proposta de reforma tributária no Brasil já contempla redução de alíquotas para o setor, o que é um bom começo. Outra iniciativa seria desonerar a folha de salários. Como a maioria dos trabalhadores ganha até um salário mínimo, essa medida incentivaria a formalização, aumentando a produtividade e a massa salarial. Todos os nossos dados apontam de forma clara para isso. Com essas reformas adequadas e uma colaboração mais estratégica entre empresas, governo e fornecedores, o setor pode se transformar. E no caso da questão tributária, é preciso enfatizar que não é renúncia fiscal, não é desoneração, é um regime tributário específico para características específicas de setores, como o caso dos bares e restaurantes. O estudo mostra ainda que para cada 10 pontos percentuais de queda na informalidade, até o primeiro salário mínimo, haverá um efeito extraordinário em termos de emprego, de formalização e de aumento de massa salarial. Até o salário da própria pessoa vai aumentar, porque o salário informal do setor é muito baixo.
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