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Márcio Ayres Um ícone da conservação amazônica O legado do primatólogo Márcio Ayres une meio ambiente e sociedade

O primeiro contato entre Márcio Ayres (1954-2003) e um macaco uacari-branco ocorreu em 1974, em um zoológico na Alemanha. O encontro, tão longe da floresta amazônica, incomodou o primatólogo. “Se fosse apresentada uma fotografia do uacari-branco aos habitantes de Alvarães, uma pequena cidade 1.930 quilômetros a oeste de Manaus, no rio Amazonas, eles provavelmente não reconheceriam o animal. Muitos poderiam perguntar se aquele macaco de aspecto estranho, de aparência humana, seria encontrado na Ásia ou na África. Eles ficariam chocados em saber que os uacaris-brancos moram a menos de 8 quilômetros de sua calçada, do outro lado do rio”, observou Márcio em um artigo para a revista Natural History, em 1990*.

“É raro estar associado, em uma mesma pessoa, talento acadêmico, diplomático e de inspirar a confiança das pessoas para olharem para frente. Sem alguém que conseguisse envolver tantas pessoas e recursos, eu acho que nem reserva nem instituto existiriam” - Deborah Magalhães, antropóloga

Em 1983, menos de dez anos depois do encontro na Alemanha, Ayres mergulharia nas várzeas próximas à cidade de Tefé (AM) para estudar o uacari e o ambiente tão típico no qual ele vivia. Os meses na floresta renderam muito mais do que os artigos científicos inéditos escritos sobre a espécie e o ecossistema de várzea na região, onde entre os períodos de seca e cheia os níveis dos rios e lagos se movem vários metros.

Nos anos 1990, a questão da conservação ambiental ganhava uma nova roupagem em todo o mundo. Tanto que a cidade do Rio de Janeiro sediou a transformadora Rio 92, onde a conservação ambiental e a proteção das comunidades tradicionais passaram a andar juntas. No norte do País, em Mamirauá, onde Ayres trabalhava, os discursos dos líderes mundiais ganharam eco.

É raro estar associado, em uma mesma pessoa, talento acadêmico, diplomático e de inspirar a confiança das pessoas para olharem para a frente. Sem alguém que conseguisse envolver tantas pessoas e recursos, eu acho que nem reserva nem instituto existiriam”, afirmou ao jornal Macaqueiro a antropóloga Deborah Magalhães, que também participou da construção do hoje Instituto de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá. A pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é mãe dos dois filhos do primatólogo, nascido em Belém.

Ayres dedicou a vida ao objetivo de conciliar a preservação da Floresta Amazônica e da casa do uacari-branco, com a melhoria de vida dos povos tradicionais que nela vivem. Morto aos 49 anos, vítima de câncer, ele promoveu uma abordagem moderna para a época e deixou um importante legado,como a criação da primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável brasileira. O primatólogo lutou durante 15 anos pela criação das áreas protegidas na Amazônia. Ele e a equipe que liderou conseguiram engajar a população local e também várias esferas de governo, que abraçaram a iniciativa e a fizeram frutificar. Além do Brasil, outros países, como a Argentina, a Guiana e até a Tanzânia (na África), seguiram caminhos inspirados na experiência amazônica, que, além da preservação e da pesquisa científica, também evoluiu com o apoio do ecoturismo.

Em mais de 20 anos de pesquisas, o Instituto Mamirauá – localizado na cidade de Tefé, a aproximadamente 545 km de Manaus (AM) – virou um exemplo de como o desenvolvimento socioambiental é viável e necessário. Na virada do século, toda a luta de Ayres ganhou reconhecimento em várias partes do mundo. Em 2002, ele por exemplo, esteve entre os laureados dos Prêmios Rolex de Empreendedorismo.

“É ótimo ser parte dessa grandiosidade que é o Mamirauá”, afirma Jonas dos Santos, também em uma das edições especiais do Macaqueiro. Ele é zelador de um dos seis flutuantes distribuídos pelas Reservas Mamirauá e a Amanã. Todos que conhecem os projetos em andamento da região, como o do manejo sustentável do pirarucu – colocado em prática pelo também laureado Rolex João Campos-Silva , entendem que o grande trunfo do instituto é o fato de que todos os envolvidos, entre cientistas e moradores, estão engajados em evoluir cada vez mais.

Além de ver a renda aumentar com a exploração sustentável do pescado, várias tecnologias sociais estão em franco desenvolvimento na região. Mamirauá – o nome vem do lago que ocupa o centro da reserva e seu significado mais aceito é “filhote de peixe-boi” – é uma região única: um complexo ecossistema de lagos, lagoas, ilhas, restingas, chavascais, paranás e muitas outras formações, que permanecem de 7 a 15 metros debaixo d'água por seis meses no ano. Localizada no Médio Solimões, a reserva tem uma extensão de 1.124.000 hectares, onde vivem 177 comunidades e 11.532 moradores, de acordo com o Censo Demográfico de 2011.

“A paisagem do ‘cano’ que leva ao Mamirauá nos impressionou bastante. Em todo o percurso, uma grande variedade de capins flutuantes e outras plantas aquáticas navegavam discretamente sobre águas de cor preta, entre revoadas de garças, patos, socós e, não raro, dos macacos-de-cheiro, muito comuns na região. Ao final do canal, depois de um estirão de quase quatro quilômetros, abre-se o lago Mamirauá, em cujas margens, onde existe grande variedade de tipos fisionômicos de vegetação, não há um morador sequer”, escreveu Ayres no livro “As Matas de Várzea do Mamirauá”.

*Márcio Ayres, Guardião da Floresta. Rose Silveira, 2013.
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